Kindle paperwhite: Prático como você

O pedido

Compartilhe:

Há cerca de um ano eles se conheceram pela internet. Descobriram afinidades, prazeres em comum e resolveram se conhecer. A empatia clara nas mensagens trocadas era ainda mais forte ao vivo.

Não eram pessoas parecidas em todos os gostos, eram diferentes em muitas outras coisas, entretanto, tudo que gostavam juntos era muito forte. Forte o suficiente para estarem sempre por perto. Passavam grande parte do dia juntos, conversavam, trocavam confidências, até que o inevitável aconteceu: O beijo.

O tempo transformou o interesse e o desejo em carinho, em um bem-querer que ultrapassava a barreira do consciente. Logo ela queria mais do que encontros esporádicos, mais do que apenas conversar sobre o dia a dia. Ela queria uma vida em comum.

Ele não se sentia preparado, ainda, para abrir mão de seus objetivos na intenção de se aventurar em uma nova relação. Mas a vida os mantinha cada vez mais próximos, falavam sempre sobre tudo, filosofia, religião, música, e cada vez mais próximos se tornavam.

Ainda que oficialmente não houvesse um relacionamento, era nítida a relação que ambos nutriam.

Certa vez ela lhe perguntou:

— O que eu sou sua?

E ele afirmou que o sentimento de ambos já era o suficiente, não havia necessidade de rótulos para a relação que tinham. Ela não se sentia confortável com a situação, ainda que não se desligasse dele.

Por algumas vezes tentou afastá-lo, mas ele não partia, sempre arrumava uma maneira de voltar, de estar próximo e de convencê-la a aceitá-lo por perto.

Trocavam presentes de aniversário, de Natal, declarações de amor, saíam sempre para almoçar juntos, ir ao cinema e caminhar ao final dos dias. Certa vez o questionou novamente:

— Mas e se aparecer alguém, alguém que eu tenha interesse em ter um relacionamento, como ficaremos? — ele mais uma vez se esquivou, dizendo que o mais importante era o sentimento que nutriam, e que, independente de rótulos, ela sempre poderia partir de qualquer forma, e que ele nunca teria gerência sobre suas vontades.

Mesmo com os questionamentos e as idas e vindas, eles seguiam perto um do outro, trocando juras de amor, afagos, presentes. Ele se sentia cada vez mais envolvido. Cada vez mais podia perceber a cumplicidade dela, os olhares, o carinho e o amor em seus olhos.

Ela sempre retribuía todas as atitudes exacerbadas de carinho dele, dizia que se sentia em um filme de romance, onde ela era a protagonista, e ele o mocinho, quase um príncipe encantado.

Ele se divertia com as definições que ela dava, mas sabia que, de fato, fazia de tudo para que ela se mantivesse encantada por ele.

Em seu último encontro, foram ao cinema e passaram abraçados em boa parte da sessão, beijos e carinhos sem ter fim. Num certo momento, ele a pegou pelo rosto e disse que sentia por ela um carinho enorme, um sentimento que há muito não sentia. Um amor puro e tranquilo que fazia com que ele se sentisse uma pessoa melhor, que estava disposto a dar a ela o filme de romance por toda a vida, terminando com a frase: “Eu nunca vou te machucar”.

Ela olhou no fundo de seus olhos, deixando transparecer todo o carinho que nutria por ele e por sua tentativa de lhe fazer bem sempre e para sempre. Não havia mais do que fugir, ele estava preparado para ser dela e só dela, enquanto ela o quisesse.

Combinaram um passeio dias depois. Ele havia preparado tudo, uma data especial. Ela faria aniversário nos próximos dias e ele queria que se tornasse inesquecível. Não restavam mais hesitações, ele havia decidido assumir o relacionamento com ela.

Decorou todas as falas para no fim perguntar se ela queria ser sua namorada. Vestiu uma roupa que ela gostava, comprou flores e foi ao seu encontro, decidido a dar um caminho para o relacionamento que fazia tão bem à sua alma.

Encontraram-se em um local próximo ao centro da cidade e começaram a caminhar. Ele entregou as flores e ela agradeceu sorrindo. Iniciaram uma conversa sem propósito, quando ele disse que as flores eram um presente de aniversário, perguntando em seguida:

— Lembra quando me perguntou o que você era minha? Então, acho que você é minha namorada.

Ela emendou:

— Mas eu sou sua namorada?

— Bem, depende se você vai aceitar. Você quer ser minha namorada?

— Acho que precisamos conversar melhor sobre isso, não é simples — disse, para sua surpresa.

Ele pensou por alguns instantes e um filme passou por sua cabeça. Relembrou de todas as conversas e não entendeu bem o que estava acontecendo.

Ela prosseguiu:

— Tenho planos agora, não sei se estou preparada para entrar em um relacionamento, eu não teria tempo, você iria sofrer, não daria certo. É melhor pararmos também com os encontros, os cinemas, os beijos, isso vai te fazer mal, você quer muito algo que eu não quero pra mim agora.

Ele seguia sem entender o que estava acontecendo. Até poucos dias antes trocavam olhares e confissões, juras de amor, palavras de afeto. O que estava acontecendo? Questionou como podia ela não querer algo com ele agora, se sempre disse que o amava, que o queria para si, ele não entendia.

— Eu tentei durante todo esse tempo retribuir todo o cuidado, todo o carinho que você diz ter por mim, mas não consegui. Eu amo você, mas como amo meus amigos, é diferente, me desculpe pelas vezes que o fiz entender algo diferente disso, me arrependo, foi um erro. Não posso mais machucar você, isso tudo me angustiava, não quero mais viver essa angústia, não quero te fazer sofrer. Você vai encontrar alguém que esteja disposta a ter o cara sensacional que você é, mas eu não posso.

Ele não sabia o que dizer, sentia uma tristeza profunda, como se algo tivesse sido arrancado de seu peito. Só havia agora o vazio, a dor, o fim.

Ela percebeu o sofrimento em seu olhar e fez-lhe um pedido:

— Não chore, eu não posso te ver chorar. Isso não vai mudar nada, só vai me fazer sofrer.

Ele se levantou, olhou em seus olhos e, antes de partir, disse:

— Eu não vou chorar… Não se preocupe. O que está morto, não chora.

Compartilhe:

Sobre Rodrigo Barros

Avatar photo
Empreendedor e escritor, Rodrigo Barros é bacharel em Biblioteconomia e em Sistemas de Informação, com pós-graduação em Gerência de Projetos e MBA em Gestão de Marketing. Fundador e editor chefe na Cartola Editora.

Veja também

O plano perfeito

Tudo havia sido minuciosamente calculado e nada poderia dar errado. O velho homem sabia que …

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

20 − 18 =

*

Web Analytics