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Precisamos mesmo salvar a Saraiva e a Livraria Cultura?

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O mercado editorial ficou em estado de alerta com as notícias recentes envolvendo a Livraria Cultura e a Saraiva.  Com lojas espalhadas em shoppings e regiões comerciais de grandes cidades brasileiras, ambas as empresas entraram com pedido de recuperação judicial.

Quando se entra em recuperação judicial, a empresa fica impedida de fazer qualquer pagamento dos compromissos existentes na data da entrada do pedido (incluindo os que irão vencer), contas normais ou provenientes de renegociações. Resumindo, as editoras que vendem suas obras em ambas as livrarias não receberão o que lhes é devido, e consequentemente, os autores também não.

O Sindicato Nacional das Editoras de Livros (SNEL) posicionou-se propondo discutir maneiras para evitar que duas das mais tradicionais redes de livrarias do país fechem as portas definitivamente. O receio é que o mercado de venda de livros entre em colapso, já que o e-commerce não tem garantido o lucro esperado pelas editoras. Outro problema seria a absorção do mercado pela Amazon, empresa estrangeira que ainda engatinha por aqui, mas que trabalha com a compra de grandes lotes de livro, negociando descontos agressivos junto às editoras.

A crise não é recente, tampouco pegou qualquer um de surpresa. Em 2013, a rede Laselva, que chegou a ter 80 livrarias espalhadas pelos aeroportos do país, decretou recuperação judicial, como uma dívida que ultrapassava R$ 120 milhões. Em março deste ano, após o fechamento de todas as lojas, foi decretada a falência total da rede.

A Laselva atribuiu sua falência aos resquícios da crise internacional de 2008 e às mudanças no sistema de licitação da Infraero. A Saraiva e a Livraria Cultura culpam os preços praticados pela Amazon, a falta do hábito de leitura (parece que descobriram isso agora), a defasagem no preço dos livros e a crise econômica no Brasil. De fato, tudo isso é parte do problema, no entanto não podemos ignorar que essas empresas expandiram seus negócios de forma exponencial, pautadas pela expectativa de crescimento e não pelo aumento da demanda. Esses grupos se expandiram pelo país auxiliados por empréstimos junto aos bancos, entre eles o BNDES.

A Livraria Cultura já atrasava pagamentos quando resolveu adquirir a FNAC no Brasil, em uma negociação em que recebeu € 36 milhões para assumir a operação da rede, que já não andava bem das pernas por aqui. Todas as 12 unidades da FNAC no Brasil foram fechadas, e o prejuízo que antes era da FNAC, passou a ser da Cultura.

É curioso que no Brasil se pregue o livre mercado, de forma exaustiva, e quando grandes redes quebram, seja devido a uma crise econômica ou a má gestão, alguém precisa fazer algo para que elas sejam salvas.

Precisamos mesmo salvar a Saraiva e a Livraria Cultura?

Para aqueles que não conhecem o mercado, essas livrarias pegam livros em consignação com grandes e médias editoras, ou seja, elas não pagam pelos livros que adquirem e vendem. Ao vender um exemplar, ficam com cerca de 50% a 55% do valor de capa.  Isso não me parece justo, mas virou regra de mercado.

As grandes editoras não negociam com as pequenas e médias livrarias, e quando o fazem, exigem a compra dos livros, exigência essa que inexiste para as Mega Stores. Agora colhem o “mercado” que plantaram, não dá pra colocar a culpa no leitor. O consumo de livros no país voltou a crescer em 2018, registrando um aumento de 3,65%, com livros vendidos a preço médio de R$ 43,24 (aumento de 5,37%).

Antes mesmo da chegada da AmazonSaraiva e a Livraria Cultura já possuíam seus leitores de e-book (e-readers) e praticavam descontos agressivos em suas lojas online, descontos esses que não se aplicavam em suas lojas físicas, levando o consumidor para os seus sites e não para as suas lojas.

Não podemos esquecer que enquanto a sociedade vai se acostumando a comprar produtos através de plataformas digitais, como jogos que são baixados direto em seus consoles e serviços de assinatura por streaming como a NetFlix e o Spotify, a alternativa encontrada por essas grandes lojas, para suprir a baixa na venda de livros, foi a venda de jogos de videogame, CDs e DVDs, remando na direção contrária do mercado. Não tem como dar certo.

As tentativas de negociação junto às editoras são ridículas, estão propondo que 70% da dívida seja perdoada e que os 30% restantes sejam pagos em 12 anos. Isso se quiser receber alguma coisa, ou então entra na fila de credores e provavelmente fique sem receber. Como se isso não fosse suficiente, essas redes se recusam a devolver para as editoras, os livros que não foram vendidos e lá estão em consignação.

Em meio à crise das duas maiores redes de livrarias do Brasil, a Livraria Curitiba completa 55 anos e anuncia sua 30ª loja, com uma estimativa faturamento entre 5% e 7% superior em relação ao ano 2017. A Livraria Travessa projeta um faturamento 15% superior ao do ano passado, e anuncia a abertura de mais duas unidades em março 2019. Editoras independentes também têm dado um novo fôlego ao mercado, produzindo novos autores, criando espaços alternativos para a venda de livros e distribuindo seu material em pequenas livrarias e sebos. O mercado está se transformando, seja através das novas tecnologias, com o crescimento de outras redes e com a mudança do consumidor.

Como será o futuro? Não posso prever, mas há luz ao final do túnel.

* Fotografia que ilustra o texto é da Publishnews. 

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Sobre Rodrigo Barros

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Empreendedor e escritor, Rodrigo Barros é bacharel em Biblioteconomia e em Sistemas de Informação, com pós-graduação em Gerência de Projetos e MBA em Gestão de Marketing. Fundador e editor chefe na Cartola Editora.

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