Kindle paperwhite: Prático como você

A Cigana

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Chovia naquela tarde de inverno. Fazia frio e a neblina não permitia que os olhos alcançassem o topo da igreja da Sé. Roberto atravessava a praça com um pouco de pressa, precisava chegar a uma reunião na Av. Paulista, em vinte minutos, talvez de metrô pudesse chegar a tempo de concluir o negócio mais importante do mês. Para ele, andar em São Paulo era sempre uma aventura. Nascido e criado no município de Corumbá, sempre que precisava ir à terra da garoa não se sentia bem, tudo era grande demais, corrido demais.

Aquele dia não seria diferente, teria apenas uma noite na cidade, e precisava resolver algumas coisas antes de voltar ao Mato Grosso do Sul. Caminhando a passos largos, Roberto se aproximava da entrada do metrô quando sentiu alguém pegar em sua mão. Olhou para o lado assustado e viu uma bela mulher. Era uma cigana, dessas que tem aos montes no centro de São Paulo, tentando arrancar algum dinheiro dos transeuntes.

Enquanto observava a linda mulher, de estatura mediana, cabelos negros como a noite e olhar sedutor, não prestou muita atenção no que ela dizia. Entre palavras sem muito sentido, sob a chuva, Roberto pediu que a moça repetisse o que havia dito, pois não havia compreendido.

– Meu nome é Fabíola e sei de algo que você não sabe, trabalho há muito tempo aqui na Sé. Não me engano nunca. Sei a data exata da sua morte, e se me der cinquenta Reais, posso lhe contar, aí caberá a você tentar mudar o seu destino ou não – disse a bela mulher.

Roberto sorriu e respondeu que não tinha interesse. Estava com pressa, precisava chegar logo à empresa e não poderia perder tempo com uma charlatã tentando arrancar-lhe dinheiro no centro da cidade.

Ela lhe sorriu de volta e disse:

– Cabe a você decidir seu destino, a sorte apareceu. Não se esqueça de que você lhe virou o rosto, quando poderia burlar a história que lhe está destinada – disse com um ar sombrio.

Um arrepio percorreu a coluna, mas tinha certeza de que tudo não passava de um jogo de cena, um golpe que ela devia aplicar em muitos dos homens que por ali passavam. Acenou a cabeça de forma negativa e partiu em direção a estação.

Durante o restante do dia ficou pensando na cigana, não exatamente no que ela havia lhe dito, e sim em suas formas por baixo do vestido. Sem dúvida uma lindíssima mulher, lhe rogou uma praga, era bem verdade, mas isso passava despercebido dentre tantos atributos físicos.

Na manhã seguinte, Roberto acordou cedo e partiu em direção ao centro, pra resolver algumas coisas antes do almoço. Passando pela praça, avistou de longe aquela enigmática dama. Conversava com outras ciganas, que também deviam passar o dia tentando aplicar pequenos golpes nos pedestres que transitavam por ali.

Ao final da tarde, Roberto ouviu no rádio que o aeroporto de Guarulhos estava fechado, a neblina impossibilitava que os aviões decolassem e já imaginou que teria problemas pra voltar pra casa. Ainda assim, com tanta chuva, era melhor se apressar para pegar o metrô em direção ao Tatuapé, para que pudesse pegar o ônibus até o aeroporto sem maiores problemas.

Quando se aproximava da Sé, tentou mais uma vez avistar aquela atraente cigana, mas com tamanha chuva, não havia ninguém pelas ruas. Apressou o passo e chegou a escorregar na calçada, derrubando a mala no chão e molhando os joelhos.

Seguindo pela Rua Senador Feijó, Roberto percebeu que alguém o observava, olhou para os lados e não avistou qualquer pessoa. Portava documentos importantes, que precisavam ser apresentados quando chegasse a Corumbá, temia ser assaltado e acelerou o passo. Bares fechados e ninguém nas ruas. Parecia até feriado, devia ser a chuva incessante, mas ainda assim, alguma coisa não estava batendo, deveria ao menos ter pessoas transitando.

O vento forte fez com que o arame do guarda-chuva rompesse. Roberto até tentou dar um jeito, contudo, voltou a ter a sensação de que estava sendo observado e resolveu desistir. Mesmo sob o risco de uma nova queda, passou a correr em direção ao metrô para se livrar de uma vez daquela situação.

Ao atravessar a rua, ouviu seu nome sendo chamado… “Roberto”… Olhou para trás e mais uma vez não viu ninguém. Ao voltar a atenção ao caminho que deveria seguir, percebeu que estava no meio da rua e um carro se aproximava em velocidade. Roberto tentou correr, mas era tarde demais, o motorista do pálio azul até tentou desviar do homem que apareceu do nada em sua frente, mas era impossível.

O carro chocou-se de forma violenta, arremessando-o no meio da praça. O motorista se desesperou ao perceber o impacto e, acelerou partindo em velocidade, fugindo do local sem prestar o socorro necessário. Roberto sentia as costelas quebradas, e bateu forte com a cabeça no chão e viu tudo ficar turvo.

Tentando ainda, num último suspiro, gritar por socorro, percebeu que alguém se aproximava. Era ela, Fabíola, a bela cigana com quem conversara na tarde anterior. A mulher ajoelhou-se ao seu lado e tirou-lhe a carteira do bolso. Sacou uma nota de cinquenta Reais e disse:

– Eu avisei, a sorte havia lhe sorrido, mas você não sorriu de volta. Agora eu tenho os cinquenta Reais, mas você não pode mais fugir do seu destino – disse abandonando o corpo estendido no chão, agora sem vida.

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Sobre Rodrigo Barros

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Empreendedor e escritor, Rodrigo Barros é bacharel em Biblioteconomia e em Sistemas de Informação, com pós-graduação em Gerência de Projetos e MBA em Gestão de Marketing. Fundador e editor chefe na Cartola Editora.

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Um comentário

  1. Que final rss. Eu imaginava morte, mas não que a cigana fosse fazer tal ato . Gostei.

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