Todos os dias pela manhã, Mariana pegava o mesmo ônibus para ir ao trabalho. Durante quase dois anos esse era um hábito não muito diferente, entre uma semana e outra. Por vezes acontecia algo interessante, uma criança mais falante, um risco eminente de assalto ou uma história engraçada entre amigas sentadas no banco da frente.
Durante todo esse tempo, nada de especial aconteceu naquela linha de ônibus, nem ali e nem na vida de Mariana. A moça de corpo esguio, morena e de cabelos curtos na altura do pescoço, vivia sua vida sem muitas aventuras. Uma vida simples, agradável até, mas sem a emoção peculiar que costuma acompanhar uma moça naquela idade. Quem via Mariana acompanhada de sua mãe, por muitas vezes não podia constatar o que de fato acontecia de diferente na vida de uma e de outra.
Mariana era feliz, tinha uma família amiga, que apesar dos problemas do dia a dia, estava sempre imbuída em fazer com que todos estivessem juntos e bem. Aos finais de semana, a rotina repetia-se, trabalhos voluntários com crianças na igreja, almoço com os amigos na casa de seus pais e tudo aparentemente seguindo na mais perfeita paz. Ela jamais poderia imaginar que aquela segunda-feira seria diferente de todos os dias dos últimos anos.
Ao pegar o ônibus para o trabalho, avistou um rapaz sentado no banco que ela tinha por costume viajar. Seguiu em direção à poltrona ao lado e ficou de longe observando. Ele era bonito, de sorriso fácil, cabelos bem curtos, cortados a máquina e barba muito bem aparada e alinhada a seu rosto. Ele vestia uma roupa social, e sorria lendo algo na tela do celular. Mariana ficou encantada com o rapaz. Fazia tempo que um sorriso não mexia tanto com ela. Ele desceu no mesmo ponto em que Mariana descia, mas seguiu um caminho diferente do que ela estava acostumada a traçar. À noite, chegando em casa, deitou na cama e abraçada ao seu cobertor, suspirou lembrando do rapaz de sorriso farto, que ela sequer sabia o nome.
Na manhã seguinte, Mariana seguiu em seu dia a dia, e mais uma vez ele estava ali, sentado no mesmo banco. Ela decidiu fazer algo um pouco diferente do que fizera no dia anterior. Sentou-se ao lado do rapaz e passou a observá-lo de perto. Ele estava com uma camisa social vermelha e uma calça azul marinho. Além de bonito, ele tinha um perfume agradável, intenso, que fazia com que tudo ao redor exalasse sua essência. Em alguns minutos trocaram os primeiros olhares, ele lhe sorriu da mesma forma educada e encantadora que fazia perdido em seus pensamentos sozinho. Ela lhe sorriu de volta, analisando, ali de tão perto, cada detalhe de seus lábios.
Assim como acontecera no dia anterior, desceram no mesmo ponto e não mais se viram aquele dia. Mariana estava encantada, ainda mais que no dia anterior, não conseguia pensar em outra coisa que não fosse aquele sorriso. Suas mãos grandes, seus olhos e seu olhar, tudo nele a atraía de uma forma quase mágica, entorpecente. A partir daquele instante se tornou rotina. Todos os dias Mariana avistava o rapaz na mesma composição. Nem sempre ele estava sentado no mesmo local, mas ela fazia questão de sentar-se, se não ao seu lado, no local mais próximo possível. Sentia o mesmo aroma, deixava sua mão esbarrar de leve na mão dele e trocavam novos sorrisos. Eles sempre desciam no mesmo lugar e seguiam trajetos diferentes, sem mais se verem, e no dia seguinte todo o ritual se repetia. Novos sorrisos, novos olhares e poucas palavras. Um ritual que aconteceu por semanas, meses.
Certo dia, Mariana entrou no ônibus no mesmo horário de sempre, mas não avistou o rapaz. “Algo devia ter acontecido”, pensou. Ele nunca se atrasava, era tão pontual quanto ela. Ficou preocupada, afinal, eles eram mais do que companheiros de viagem, viviam aquela intimidade entre estranhos. Sentiu sua falta, ainda que mal conversassem, falta do seu cheiro, do seu sorriso e dos seus olhares para ela. Na manhã seguinte, nova ausência e, um sentimento de angústia passou a habitar seu peito. “Por onde ele andava?”. Ele não estava ali mais uma vez. Essa ausência se perpetuou por dias, semanas. Mariana desejou durante todo esse convívio, viver ao lado dele uma história que de fato nunca existiu.
Sonhava todos os dias em convidá-lo para um sorvete ao final da tarde. Em chamá-lo para um cinema quando chegasse o final de semana, mas nunca o fez. Certas noites, Mariana fechava os olhos e podia ver exatamente como seria a vida ao seu lado, os passeios pelo shopping, os jogos de futebol assistidos na arquibancada, os passeios de mãos dadas, os abraços e o pôr do sol. Ela nunca mais o viu.
Em seu coração ficou a certeza de que ele lhe sorriu todos esses dias e que ela nunca teve a coragem de tentar estar ao seu lado.