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A ampliação da terceirização é boa ou ruim para a sociedade?

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A câmara dos deputados aprovou o Projeto de Lei 4.330, que trata da regulamentação da terceirização pelas empresas. A lei ainda precisa passar pela Câmara do Senado e pela sanção da presidenta Dilma Rousseff, mas já se tornou uma disputa política, tanto nas bases do governo, quanto nas redes sociais, contudo, o projeto que vem sendo debatido há mais de oito anos, pode trazer benefícios e perdas para os trabalhadores, que precisam entender em que podem ganhar ou perder caso a lei seja aprovada.

O projeto tem por objetivo regulamentar e assegurar direitos trabalhistas para aqueles que atuam como terceirizados em empresas, além de flexibilizar esse tipo de contratação, permitindo que empresas contratem colaboradores terceirizados, independentemente da sua função ou cargo. Resumindo, se hoje uma organização só pode contar com colaboradores terceirizados para atividades fora do escopo de sua atividade principal, como limpeza, segurança e recepção, após aprovação da PL4330, a organização poderá contar com colaboradores terceirizados em qualquer função, o que trará competitividade ao mercado e poderá gerar mais empregos. As mudanças não se aplicam a Caixa Econômica, Banco do Brasil e Petrobrás, já que a Câmara dos Deputados excluiu empresas públicas das regras previstas no projeto, visando o fortalecimento do concurso público.

A terceirização é uma realidade no País e precisa sim de regulamentação, para que haja controle e dê aos trabalhadores terceirizados os mesmos direitos dos trabalhadores contratados sobre o regime CLT. Caso a PL4330 seja aprovada, a empresa que fornece os serviços ou produtos a outras empresas terá de reservar 4% sobre o valor do contrato para garantir o cumprimento dos direitos trabalhistas e previdenciários dos terceirizados, além de obrigatoriamente ter objeto social único, qualificação técnica e capacidade econômica compatível com os serviços a serem prestados, ou seja, a empresa prestadora de serviço não pode ser apenas fornecedora de mão de obra para a contratada, ela será obrigada a prestar serviço específico e especializado.

Outra vantagem para o trabalhador é que a empresa contratante será obrigada a fiscalizar e exigir comprovação do cumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias por parte da empresa contratada, já que também responderá na Justiça do Trabalho pelo descumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias. A empresa que contrata serviços terceirizados deve garantir condições de segurança, higiene e salubridade aos trabalhadores terceirizados, assim como assegurar acesso a instalações da empresa contratada, como refeitório, serviços médicos e transporte.

Um ponto importante a ser ressaltado é que apesar de todos os direitos estabelecidos, não poderá haver vínculo empregatício entre a contratante e o terceirizado, o que inibe a prática conhecida como “pejotização”, onde um colaborador trabalha como funcionário, mas é registrado como pessoa jurídica. Como isso será fiscalizado, se hoje, antes mesmo da aprovação da lei, a utilização de PJs nas empresas é uma prática comum, sem fiscalização ou controle por parte do Ministério do Trabalho? O que caracterizaria vínculo empregatício, se o terceirizado já tem equiparação de direitos com funcionários CLT? Esse item não está bem explicado e sabemos que a prática da contratação de PJs aumentará.

Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o salário de trabalhadores terceirizados é hoje 24% menor do que o de empregados formais, e essa diferença é ainda maior no setor bancário, onde recebem, em média, um terço do salário dos contratados. Empresas visam lucro, se um colaborador pode custar 24% menos e a produção se torna mais barata, é legítimo acreditar que haverá demissões em massa para a contratação de funcionários terceirizados. Contudo, a obrigação da reserva de 4% sobre o valor do contrato, como uma espécie de “seguro” para o terceirizado, pode encarecer esse tipo de contratação e, uma terceirização mais cara levará a organização a pensar duas vezes antes de substituir trabalhadores fixos. Colaboradores terceirizados trabalham, em média, três horas a mais por semana do que contratados fixos. Com o aumento de colaboradores terceirizados, como preveem os especialistas, mais pessoas farão jornadas maiores, diminuindo o número de vagas e gerando desemprego, o que é ruim para o trabalhador e para a economia do País. Se acabássemos com o regime de contratação terceirizada, seriam criadas 882.959 novas vagas no mercado e isso não pode ser desconsiderado.

Um dos maiores problemas das empresas é o turn over, a rotatividade de colaboradores, que costuma ser causada pela dificuldade de adaptação à cultura e à realidade da organização. Com uma maior terceirização, esse número tende a aumentar.  Além disso, se um colaborador trabalha em uma organização e não pertence à mesma, juridicamente falando, a tendência é que ele seja menos engajado nos interesses da companhia. Nesse cenário, as empresas perdem caso grande parte de seus colaboradores sejam terceirizados. Estes não terão planos de carreira, e sem engajamento, treinamento e desenvolvimento, todos perdem.

Com funcionários contratados em regimes diferentes e sendo representados por sindicatos distintos, colaboradores terceirizados tem e terão mais dificuldades para pleitear aumento de salários e benefícios. Isolados, tem mais dificuldades de lutar por seus direitos de forma coletiva, como negociar de forma conjunta e realizar ações legais, como greves. Mesmo com a regulamentação, serão diferenciados, incentivando-se a percepção discriminatória de que são trabalhadores de “segunda linha”, aumentando o preconceito e discriminação nas organizações. Com a PL4330 aprovada, ficará mais difícil responsabilizar empresas que desrespeitam direitos trabalhistas, porque é mais ímprobo comprovar responsabilidade de empregadores sobre lesões a terceirizados.

A fiscalização que hoje é precária para colaboradores terceirizados, teria de ser muito mais eficaz com um número maior de trabalhadores contratados nessa modalidade. Atualmente, a mão de obra terceirizada costuma ser usada para fugir das responsabilidades trabalhistas. Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, entre 2010 e 2014, cerca de 90% dos trabalhadores resgatados em flagrantes de trabalho escravo eram terceirizados em setores como mineração, confecções e manutenção elétrica.

Outro ponto importante que atinge diretamente toda a sociedade são as questões relativas aos impostos. Empresas menores pagam menos impostos que empresas maiores. Se a PL4330 for aprovada, estaremos transferindo funcionários para empresas menores, no caso dos PJs, para uma empresa que pode ser categorizada como microempreendedor individual e, isso diminuirá a arrecadação do Estado, que precisa desses impostos para assegurar a previdência, o SUS e o INSS aos trabalhadores.

Precisamos regular a terceirização, concedendo e fiscalizando direitos trabalhistas a todos, mas é factível uma discussão maior sobre o tema, para não ampliarmos uma realidade que hoje é ruim para o trabalhador, acabando com direitos conquistados com muita luta. A modernização da lei trabalhista em outros Países elevou a precarização do trabalho. O México tem hoje 16% dos colaboradores contratados como terceirizados, mais que o dobro do que tinha em 2004, antes da reforma na legislação. A mudança aumentou a oferta de empregos precários e 60% dos trabalhadores mexicanos trabalham em regime informal, sem carteira assinada. Ainda que as realidades sejam diferentes entre os Países, esse cenário não é bom para o Brasil.

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Sobre Rodrigo Barros

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Empreendedor e escritor, Rodrigo Barros é bacharel em Biblioteconomia e em Sistemas de Informação, com pós-graduação em Gerência de Projetos e MBA em Gestão de Marketing. Fundador e editor chefe na Cartola Editora.

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