Kindle paperwhite: Prático como você

O sequestro

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O cheiro da tapioca já tomava toda a cozinha. Enquanto Adriana preparava o café da manhã, Fonseca terminava de se arrumar. Estava atrasado e precisava comer alguma coisa antes que Rodrigues chegasse com a viatura para levá-lo à delegacia. Sentou-se à mesa e pegou a alça do bule de metal para colocar café na xícara, esperando que todos se sentassem para começar a comer. Sentiu falta da filha mais velha, apenas a caçula estava sentada aguardando a tapioca antes de sair.

– Dri, a Luiza ainda não acordou? Ela não vai pra escola?

Mãe e filha se entreolharam antes que Adriana contasse ao marido sobre o paradeiro da filha mais velha.

– Leandro, você precisa estar mais atento com a Luiza. Ela é bem diferente da Júlia, nunca está em casa, não sabemos quem é seu namorado. Parece ter pouco interesse nos estudos. Eu sei que ela já tem dezoito anos, mas eu fico preocupada. Saiu ontem e ainda não voltou. O celular está fora de área, provavelmente não vai à aula de novo.

Fonseca franziu a testa e passou a mão sobre a cabeça. Aquela menina só podia estar de sacanagem de não ter voltado pra casa até àquela hora. Rodrigues já buzinava lá fora. Ele não poderia perder tempo com ela.

– Olha, eu preciso ir, assim que ela chegar me liga, vou deixar o celular na ativa. A noite, não permita que ela saia, vou ter uma conversa séria e vamos resolver isso de uma vez.

Ele se levantou com certo ar de preocupação, deu um beijo em Adriana e outro em Júlia, pegou a pasta e saiu rápido dando o último gole no café.

– Que cara é essa? – Perguntou Rodrigues assim que viu o parceiro.

– A Luiza é foda. Saiu ontem à noite e ainda não chegou, a mãe tá uma pilha de nervos. Sei que todo jovem é inconsequente, mas na idade dela eu já tava estudando pra ser inspetor, não era como os jovens de hoje. Quando ela chegar vai levar um couro, isso sim. – Esbravejou.

– Esfria a cabeça camarada, é coisa da idade, agir de cabeça quente só piora as coisas, e depois você vai acabar se afastando ainda mais da sua filha. Tenta conversar com ela, explicar que vocês ficam preocupados e deixa rolar. A Luiza é jovem, mas tem a cabeça no lugar, é só uma fase.

Seguiram para a delegacia quase em silêncio, Fonseca estava mesmo preocupado e, talvez o melhor para o momento, era não esquentar mais sua cabeça com o assunto.

Por volta das dez da manhã o telefone tocou, era Adriana avisando que Luiza havia chegado e, após uma pequena discussão tomou banho e se trancou no quarto, de onde não sairia até Fonseca retornar do trabalho. Ele ficou aliviado e pôde se concentrar melhor nas tarefas do dia.

Fonseca e Rodrigues trabalhavam na investigação de uma das maiores quadrilhas de tráfico de drogas do Rio de Janeiro. Eles já haviam ajudado o delegado Antunes a prender mais da metade dos traficantes da cidade e, claro, isso desagradava bastante à bandidagem. Ao final do turno, o Inspetor Rodrigues ficaria mais uma vez com a viatura e se colocou à disposição para levar o parceiro pra casa.

Assim que chegou, Adriana o abraçou e avisou que precisavam conversar um pouco, enquanto Luiza estava no quarto e Júlia ainda não havia voltado do curso de inglês.

– Sei que você precisa conversar com a Luiza porque ela chegou pela manhã, mas acho que o problema é ainda maior que esse. Enquanto se arrumava pra sair, Júlia precisava de um cinto que a irmã havia pegado emprestado no final de semana, e acabou achando esse pacote no fundo do armário escondido, abre. – Pediu com um olhar preocupado.

 Fonseca pegou pacote com as mãos e o conteúdo estava embrulhado em papel de pão. Abriu devagar e viu um saquinho transparente contendo um pó branco que ele conhecia muito bem, era cocaína. Ficou transtornado, como era possível não ter percebido que a filha estava envolvida com drogas, logo ele que tanto combatia diretamente a venda ilícita. O que fazer?

Subiu as escadas devagar e bateu na porta do quarto para que Luiza o atendesse. Assim que ela abriu, ele se sentou na cama e pediu que ela se sentasse ao seu lado para que pudessem conversar.

– Luiza, que porra é essa? – Perguntou e seguiu o discurso antes que ela pudesse responder – Você sabe com o que eu trabalho não é mesmo? Você sabe que eu ajudo a prender traficantes e a combater a venda de drogas, mexer com isso coloca não só você em risco como a todos nós. Onde você conseguiu essa merda?

A menina não sabia o que dizer, olhava para o pai com os olhos arregalados, e procurava uma desculpa convincente, porque sabia que ele não mais sairia de seu pé agora.

– Pai, isso não é meu. Sim, eu sabia o que era, e o risco de trazer isso pra casa. É de um amigo, ele me pediu pra guardar e eu já ia entregar a ele. – Disse em voz baixa.

– Entregar a ele? Você enlouqueceu? Isso vai direto pra privada, eu quero saber quem é esse amigo? Ele vende essa merda? Eu vou meter ele em cana. – Irritou-se.

– Não pai, ele não pode ser preso, não é traficante, ele só usa isso de vez em quando, em festas. Por favor, não mexe com ele, eu gosto muito dele, vou convencê-lo a parar de usar isso, me deixa tentar. – Implorou a menina.

Fonseca coçou a cabeça, pensou por alguns instantes e deu seu ultimato.

– Pois bem, vou dar sumiço nessa merda agora, e não quero mais saber de drogas, nem nessa casa e nem na sua vida, se você gosta mesmo desse cara, afasta ele disso, porque eu vou estar de olho nele. Se ele chegar perto de traficante eu enquadro e não quero nem saber. – Disse batendo a porta do quarto, antes de tomar uma ducha pra relaxar.

Na manhã seguinte, quando Fonseca se sentou a mesa para tomar café, Luiza já havia saído de casa. Provavelmente ia encontrar o namorado e passar-lhe o aviso antes de ir para a escola. Apesar de preocupado, o inspetor passou o dia em paz, com uma sensação boa de que tudo seria resolvido da melhor forma possível. Já havia levantado toda a ficha do sujeito, sabia onde morava, quem eram os seus pais e que estudava. As redes sociais deixam a vida das pessoas completamente expostas hoje em dia, ainda mais para um inspetor de polícia.

Chegando em casa, o policial encontrou Adriana aflita. Luiza havia faltado à escola mais uma vez, e nenhuma amiga sabia de seu paradeiro. No mesmo instante, ligou para Rodrigues e pediu que o parceiro fosse atrás do garoto na faculdade, pois ele iria pessoalmente à casa do rapaz para tentar descobrir onde estava sua filha.

Não tinha ninguém em casa e o rapaz também não estava na universidade. O delegado Antunes havia deixado toda a corporação em alerta, na busca pelos meninos, qualquer informação deveria ser repassada imediatamente à delegacia.  Sem muito que fazer, Fonseca preferiu ficar ao lado da esposa na espera por qualquer notícia e pediu que Rodrigues voltasse à delegacia e o reportasse assim que soubesse de algo.

Quando entrou em casa, encontrou Adriana pálida ao lado do telefone, com o nariz vermelho e os olhos cheios de lágrimas. Júlia trazia um copo de água com açúcar para a mãe, que estava visivelmente transtornada. Fonseca correu em direção à mulher e questionou sobre o que havia acontecido.

– Foram eles Leandro, eles levaram a nossa filha. – Disse Adriana aos prantos.

– Eles quem mulher? Quem levou a nossa filha? – Disse enquanto chacoalhava a mulher pelos braços.

– Eles ligaram, estão com a nossa filha, exigem um depósito de cem mil em uma conta que vão nos passar em uma hora, e se não arrumarmos esse dinheiro até às 20h, eles vão matar a nossa menina, Leandro. Eles disseram que são traficantes, que estão com ela e com o namorado, algo aconteceu quando eles foram buscar alguma coisa no morro. – Disse, chorando copiosamente.

Fonseca sacou o celular e deixou toda a delegacia em alerta, pedindo que todas as ligações para seu número fossem rastreadas, ele precisava encontrar a filha, até porque não tinha como levantar uma quantia tão alta, em tão pouco tempo. Rodrigues cuidou pessoalmente da escuta para tentar ajudar o amigo, enquanto Antunes avisou a corporação de que deveriam estar atentos para o instante exato de partirem para o cativeiro, assim que os traficantes entrassem em contato.

O telefone tocou, Fonseca atendeu e logo recebeu as instruções. Os bandidos pediram para que ele anotasse o número da conta que passariam e fizeram novas ameaças. O inspetor tentava esticar o tempo da ligação para que pudesse ser rastreada e pediu provas de que sua filha estava viva. Ouviu de longe uma mulher chorando, chamando seu nome e se desesperou, se algo não fosse feito a tempo, ela seria assassinada, a família nunca teria aquela quantia.

Os traficantes encerraram o contato e ele não sabia se seus companheiros haviam conseguido. Cerca de dez minutos depois, Antunes retornou e explicou que a ligação pôde ser rastreada e que em mais alguns minutos eles saberiam o ponto exato de onde ela partiu.

Todos estavam apreensivos em casa, será que conseguiriam mesmo descobrir de onde partiu a ligação? E em caso positivo, haveria tempo hábil para estourar o cativeiro e salvar Luiza? Claro que Fonseca confiava em seus companheiros e sabia que a operação tinha grandes chances de dar certo, ele já havia passado por isso antes, mas não com um membro de sua família, o que fazia com que tudo fosse bem diferente de todas as suas experiências anteriores como profissional.

Enquanto aguardavam novo contato telefônico da delegacia, ouviram um barulho na fechadura da porta da sala. Fonseca sacou a arma, acenando com as mãos, em silêncio, para que Adriana e Júlia fossem para a cozinha, enquanto ele caminhava lentamente com a mira voltada para a porta. Era Luiza, que tomou um susto ao encontrar seu pai com a arma apontada para ela. Ele a abraçou e finalmente pode deixar a emoção extravasar, num misto de alegria e alívio.

Antes que pudesse perguntar qualquer coisa, o celular tocou novamente, era Antunes explicando que a ligação havia sido rastreada. Ela partiu de dentro do presídio de Água Santa. Luiza não poderia estar sendo mantida sobe a posse dos bandidos e muito menos chorar ao telefone, tudo não passava de um golpe para tentar tirar dinheiro da família.

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Sobre Rodrigo Barros

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Empreendedor e escritor, Rodrigo Barros é bacharel em Biblioteconomia e em Sistemas de Informação, com pós-graduação em Gerência de Projetos e MBA em Gestão de Marketing. Fundador e editor chefe na Cartola Editora.

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