Kindle paperwhite: Prático como você

O abraço

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A madrugada de sábado para domingo naquele mês de julho estava como há muito não se via em São Paulo. Uma garoa fina e um frio de congelar os ossos.  Casais andavam lado a lado como passarinhos tentando se aquecer pelas ruas, que não estavam lotadas como de costume, o clima afastou a maioria das pessoas que preferiu ficar em casa. Fernanda se despedira dos amigos em um pub alternativo no centro e caminhou em direção ao Estadão, não demoraria muito para amanhecer e queria matar a fome antes de ir pra casa, sem deixar sua mãe preocupada ao levantar para fazer o café e não encontra-la na cama.

Diferente do que ocorria pelas ruas, o Estadão estava como de costume lotado. Aproximou-se do balcão e viu que não teria como pedir uma refeição, ficaria sem espaço para comer em paz. Pediu então um refrigerante e uma coxinha creme, iguaria que só se encontra por lá. Seu Francisco, um dos garçons mais antigos da lanchonete, ofereceu aquela pimenta que ele faz e distribui aos clientes, para depois vender a garrafa inteira aos interessados. Fernanda aceitou e pingou algumas gotas na coxinha antes de continuar comendo. Tomou um gole de sua Coca-Cola e ficou observando o movimento incessante de pessoas.

Entre os que observava, prestou atenção em um homem de meia idade encostado à entrada da lanchonete, ele não consumia nada, parecia estar ali somente observando as pessoas, assim como ela fazia. Usava uma camisa de lã verde em vários tons, de gola rolê, combinando com a calça jeans em verde musgo que vestia. Parecia estar bem protegido do frio. Não era um jovem rapaz, deveria ter cerca de quarenta anos, as entradas em seu cabelo evidenciavam a idade. Percebeu que aquele homem a notara em meio a tanta gente e lhe sorriu, ele não moveu um só músculo do rosto, seguiu ali, imóvel. Apesar da aparente indiferença, seu olhar não estava perdido no nada, ele estava focado nela. Fernanda sentiu um arrepio na espinha. Era como se ele lhe tocasse a alma. A situação era engraçada, ele a fitava, mas não lhe sorria, e nela restava uma vontade incontrolável de continuar encarando aquele homem.

Refeita do transe em que se encontrava, Fernanda se recompôs e pediu a nota com o valor antes de se dirigir ao caixa. Enquanto pagava a coxinha e o refrigerante, voltou a olhar para a porta e o homem não estava mais por ali. Percorreu todo o Estadão com o olhar e nem sinal daquele homem que a observava com tamanha sofreguidão. Guardou o cartão de débito na carteira e pôs dentro da bolsa, vestiu o casaco e se preparou para enfrentar o frio. Subiu o viaduto em direção ao vale do Anhangabaú para tentar pegar alguma condução para ir pra casa.

Era por volta das cinco da manhã e as ruas seguiam vazias, o frio era intenso, irritante às vezes. Após ficar parada por uns dez minutos no ponto, o ônibus chegou. Não era o de sua preferência, o que a deixava na porta de casa, mas considerando o avançar das horas, era até lucro conseguir condução antes do amanhecer. Passou o bilhete único no leitor, cumprimentou o cobrador e sentou-se ao fundo, quase em frente à porta de saída. Seguiu a viagem olhando as ruas pela janela e pensando naquele homem. Ele a instigou por longos minutos, a fez sentir calor até. Por que sumiu em seguida? Estranho, se ele tivesse puxado algum assunto, ela adoraria conversar com ele por horas.

Precisava descer, levantou-se apertando a campainha do ônibus, posicionando-se junto à porta. Assim que a condução parou, desceu e acelerou o passo, não era prudente ficar passeando pelas ruas escuras, ainda mais para uma mulher sozinha. Nenhuma alma pelas calçadas. Estava realmente uma noite sombria. Assim que dobrou o último quarteirão antes de chegar, ouviu alguns passos em sua direção, olhou apreensiva para trás e nada viu. Acelerou ainda mais. Queria se livrar logo daquela situação. Voltou a ouvir passos e ficou nervosa com tudo aquilo, não conseguia distinguir de onde vinha o barulho, mas era um fato, alguém lhe seguia pelas ruas.

Estava quase em frente ao Palacete Carmelita quando ao olhar para trás o avistou ao longe. Era ele, o homem que a observava no Estadão. Será que a estava seguindo? Não havia outra explicação para ele estar ali. Fernanda não sabia o que fazer agora, esperava pela aproximação do desconhecido ou acelerava ainda mais os passos para fugir de alguém que sequer conhecia? Ele estava próximo. Fitava seus olhos exatamente como fazia na lanchonete, mas dessa vez esboçava um leve sorriso. Ela sentia o mesmo calafrio, mas não conseguiu dar um só passo. Ficou imóvel, observando sua aproximação, sentindo o coração acelerar o sangue correr mais rápido em suas veias.

Ela observava cada passo, podia sentir seu cheiro, era um perfume doce, algo rebuscado, que impregnava seu olfato. Podia perceber os pelos do braço arrepiando com sua presença, aquele homem alto, de corpo esguio. Ele estava agora em pé a sua frente e lhe sorria, um sorriso largo, lindo como ele. A pele branca destacava o quase cinza em seu rosto após uma barba bem feita. Ele era lindo e tinha um olhar faminto, ao mesmo tempo em que demonstrava ternura por ela. O beijo era inevitável e aconteceu. Fernanda o abraçava, percorrendo os dedos em seus cabelos, enquanto sentia sua boca ser invadida por uma língua intensa, forte, áspera que parecia querer engoli-la. Ele a apertava contra seu peito enquanto ela se sentia pequena em seus braços. Os beijos se intensificavam e nada parecia impedir que ela se entregasse ali, no meio da rua a um desconhecido.

Fernanda colocou as mãos por baixo da blusa para que pudesse alisar aquele homem sedutor, e só então percebeu o quão frio ele era. Enquanto passava a palma da mão nos pelos de seu peito, pode perceber que a pele tão branquinha era gélida como a noite daquela madrugada. Não teve muito tempo de questionar o fato, pois estava ali se entregando aos carinhos e aos beijos daquele homem. Sentia-se arrepiada com suas longas mãos apertando sua bunda e, com o pulsar mais forte entre suas coxas. Seu sangue fervia. Aquele homem poderia possui-la ali sem muito esforço, ela estava totalmente entregue. Ele segurava seu pescoço com uma das mãos enquanto percorria o outro lado com a língua, dando-lhe as mais excitantes sensações. Ela sentia seu corpo encharcar, os mamilos entumecidos pareciam que furariam a blusa tamanha a excitação.

O homem afastou o rosto por alguns instantes e seguiu roçando o corpo naquela bela mulher. Em um movimento brusco e preciso, cravou-lhe os dentes no pescoço, perfurando a veia com suas presas. Ela não tinha forças para gritar, a dor era mínima perto do prazer que estava sentindo. Aquele homem tinha as pupilas quase brancas, dilatadas, enquanto sugava os jatos de sangue que jorravam do pescoço daquela bela mulher. O coração batia numa intensidade fora do comum, bombeando todo o sangue que podia para alimentar aquele homem, aquele monstro, que sugava cada gota daquele precioso líquido. Se antes a sensação era de prazer, agora tudo era desespero, ela tentava livrar-se daqueles braços fortes. Precisava lutar por sua vida, mas a cada segundo sentia o sangue esvaindo pelas veias. Em pouco tempo nada mais restaria.

Ele seguiu alimentando-se da seiva daquela mulher. Sugava com força embriagando-se do liquido vermelho. Ela nada podia fazer. Começou a rezar baixinho, talvez suas preces fossem ouvidas e Deus a salvasse do que lhe parecia o fim, mas nada apareceu, nenhum milagre ocorreu, o anjo da guarda, que sua mãe lhe garantira quando criança que sempre estaria presente para defendê-la, também não estava ali, era somente ela nos braços daquele homem. Suspirou pela última vez, sentindo sua alma esvaindo-se pelo derradeiro gole de sangue. O coração de Fernanda parou, era o fim. O homem a deixou ali, satisfeito e alimentado. A ela só restaria os noticiários do dia seguinte, após seu assassinato em frente ao antigo hotel.

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Sobre Rodrigo Barros

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Empreendedor e escritor, Rodrigo Barros é bacharel em Biblioteconomia e em Sistemas de Informação, com pós-graduação em Gerência de Projetos e MBA em Gestão de Marketing. Fundador e editor chefe na Cartola Editora.

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