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Quantos mais vão precisar morrer para que essa guerra acabe?

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A frase que dá título a esse texto foi publicada pela vereadora Marielle Franco um dia antes de sua execução. A pergunta foi feita após mais um inútil confronto na luta diária ao combate às drogas no Rio de Janeiro. Entretanto, cabe perfeitamente no contexto geral em que vivemos.

Até o momento ainda não temos o nome do executor de Marielle, algo que acredito que ocorrerá em breve devido às pressões internacionais, incluindo a da Organização das Nações Unidas. O executor deve aparecer, já o assassino, aquele que mandou executar, será mais um nome desconhecido em nossa triste história. Treze dias após o crime violento que chocou e revoltou o País, a caravana de Lula pelo sul do Brasil sofreu um atentado. Dois dos três ônibus da caravana foram atingidos por tiros após deixarem a cidade de Quedas do Iguaçu, no Paraná. Felizmente ninguém se feriu e no momento da emboscada, Lula estava na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFSS), em Laranjeiras do Sul.

Inacreditavelmente existem os que minimizam o fato, desde anônimos que comparam jogar ovos em João Dória, ou tacar uma bolinha de papel em José Serra, com um atentado à vida do ex-presidente, até o discurso irresponsável do governador paulista Geraldo Alckimin, que declarou que o Partido dos Trabalhadores colhe o que planta. A disputa presidencial talvez tenha feito com que o governador tenha se esquecido de que Lula se solidarizou a ele na ocasião do falecimento de seu filho, em 2015. Ética e caráter vão além de qualquer disputa eleitoral.

Enquanto isso, partidos e militantes de esquerda se posicionam falando em ataque à democracia. Que democracia? O Brasil vive sob um governo que articulou a queda da presidenta eleita democraticamente para “estancar a sangria”. Um país que viu em menos de quinze dias uma vereadora ser assassinada porque enfrentava o sistema vigente no Rio de Janeiro, entregue às drogas, traficantes e milicianos, muitos deles militares. É importante ressaltar, que um dia antes da execução de Marielle, Paulo Sérgio Nascimento, um dos representantes da Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia, foi executado a tiros um mês depois de ter tido negado o pedido de proteção que fez ao governo, mesmo apresentando provas das ameaças que vinha recebendo via Whatsapp, incluindo a de um capitão da polícia militar. Nascimento denunciava crimes ambientais contra a refinaria Hydro Alunorte, responsável pelo vazamento de dejetos tóxicos nas águas da região.

Líderes comunitários são frequentemente ameaçados e assassinados. Em fevereiro deste ano George de Andrade Lima Rodrigues, líder comunitário em Recife, foi encontrado com um arame enrolado no pescoço, após ter sido sequestrado por quatro homens que se diziam policiais. Carlos Antônio dos Santos, líder comunitário do Assentamento PDS Rio Jatobá, em Paranatinga, no Mato Grosso, foi morto a tiros, por homens em uma motocicleta, em frente à prefeitura da cidade. Ele estava dentro de um automóvel com a filha e a esposa. Carlão, como era conhecido, já havia feito várias denúncias à polícia de que estava sendo ameaçado.

Em janeiro, Márcio Matos de Oliveira, diretor estadual do Movimento dos Sem Terra e membro do Partido dos Trabalhadores, foi morto a tiros na cidade de Iramaia, sudoeste da Bahia.  O militante foi executado na frente de seu filho de seis anos. Leandro Altenir Ribeiro Ribas, líder comunitário na Vila São Luís, ocupação da zona norte da capital gaúcha, já havia deixado a residência em virtude da guerra entre traficantes da região, mas acabou assassinado quando retornou à comunidade para pegar roupas em sua casa.

Valdemir Resplandes, líder do MST no Pará, foi executado na cidade de Anapu, onde a missionária estadunidense Dorothy Stang também foi assassinada em 2005. Jefferson Marcelo do Nascimento era líder comunitário em Madureira, no Rio de Janeiro, e foi encontrado com sinais de enforcamento, um dia após ter sido dado como desparecido. Jefferson havia feito uma série de denúncias contra uma quadrilha de milicianos dias antes de ser executado.

Todos os casos relatados nesse texto ocorreram em 2018, e o ano mal começou. Se eu tivesse que relatar todas as execuções de militantes de esquerda nos últimos dez anos no Brasil, provavelmente teria material para escrever um livro inteiro sobre o assunto. A mídia tradicional costuma ignorar ou dar pouca relevância para esses fatos e o governo torna-se conivente com essas execuções quando ignora pedidos de ajuda e pouco faz para resolver os assassinatos. A sociedade assiste a tudo calada, isso quando não apoia tais ataques colocando vítimas na condição de responsáveis por suas mortes.

Eu não sei responder à pergunta de Marielle, não sei quantas mais pessoas precisarão morrer para que a guerra acabe, mas sei que enquanto nada for feito, outros atentados ocorrerão e militantes seguirão sendo assassinados, sejam eles políticos, líderes comunitários ou líderes de movimentos sociais.

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Sobre Rodrigo Barros

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Empreendedor e escritor, Rodrigo Barros é bacharel em Biblioteconomia e em Sistemas de Informação, com pós-graduação em Gerência de Projetos e MBA em Gestão de Marketing. Fundador e editor chefe na Cartola Editora.

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Um comentário

  1. Robson Pereira dos Santos

    O coronelismo nunca morreu! E agora está mais vivo que nunca!

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